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Os memes do rei Charles e a tiração de sarro com velhos

Eu adoro um meme. Tenho uma conta no Instagram só para ver memes (e vídeos de gatinhos). É o que me faz rir no meio de um dia ruim. Quanto pior, melhor. Há algum tempo vinha acompanhando as gozações com a idade da Rainha Elizabeth II, que teria sido contemporânea de Jesus e dona de um dinossaurinho como pet. Em outro, ela criava tartarugas mas desistiu porque elas morriam muito jovens.

Mesmo sabendo que é brincadeira, que o mundo está ficando politicamente correto demais, que não se pode mais falar nada sobre assunto nenhum, há algum tempo venho olhando para os memes ligados a idade/pessoas velhas/envelhecimento com um pouco mais de atenção. 

Quando eu era criança, nos anos 1980, era comum ver em programas de TV ou em situações humorísticas pessoas pretas, gays e até mesmo com alguma deficiência sendo alvo de piadas preconceituosas em algum grau, sempre no reforço de estereótipos. Ou mesmo participando como “escadas” para que atores brancos/homens brilhassem. Se você tem menos de 40 anos, joga no Google: Os Trapalhões ou A Praça É Nossa. 

Aqui em São Paulo, em meados de 1990, era comum ouvir o termo “baiano” para dizer que algo era de mau gosto, cafona. Não tinha internet. Absurdos eram ditos em rede nacional, em festinhas infantis, e a vida seguia. Dá até vergonha de lembrar.

Charles herdou a gozação – porque tem 73 anos

Daí eu estava pensando. Hoje, em 2022, ainda é aceita socialmente, pelo menos nesse âmbito ‘redes sociais’, a zoeira com pessoas mais velhas. Seja pelo fato de apresentarem alguma fragilidade física – tipo não ouvir tão bem ou andar mais devagar –, seja pelo fato de não serem tão íntimas à tecnologia. Há perfis específicos no Insta e no Face, aliás, dedicados a isso: mostrar avós fazendo confusão com postagens, mandando áudios para a pessoa errada e por aí vai.

Mal Elizabeth nos deixou e Charles recebeu como herança não apenas o trono britânico, mas as piadas voltadas à sua longevidade. Não só isso: há memes circulando a respeito de seus dedos rechonchudos (tirar uma joia de seu anelar seria mais difícil do que tirar Excalibur da pedra) e das rosáceas – doença de pele – que tem no rosto. E meme é assim: se está circulando é porque está fazendo efeito.

O mundo não precisa de mais uma pessoa chata que problematiza tudo. Já são poucos meus amigos. Mas será que em 2050 vamos olhar para essas sátiras da mesma forma como olhamos hoje para o que era feito nos anos 1980? Não é meio questionável passar para frente piadas que se referem a pessoas mais velhas? Sejam gracejos sobre mulheres na menopausa, velhos centenários, avós e até gente 40+ que, aliás, já sofre ageísmo no mercado de trabalho (e nos apps de relacionamento).

Todos nós – sem exceção – seremos mais ou menos velhos um dia. A menos que a gente sofra um acidente e morra cedo. Apenas nesse caso. Te digo mais: seremos a maioria da população já em 2030. Me incluo nesse grupo porque terei 50 até lá. Estamos tirando sarro de nós mesmos?

“Velho demais” para isso/ aquilo 


Ainda estamos engatinhando no assunto “cultura de envelhecimento” aqui no Brasil. A Mature Future nasce um pouco desse incômodo. Mas sou otimista. Se a gente pensar que hoje em dia, com a velocidade das coisas, nada mais leva 20 anos para acontecer, ainda há uma esperança de que os longevos atuais vejam alguma mudança na forma como as pessoas se referem a eles. Também nas situações banais do dia a dia: na forma como são tratados em um caixa de supermercado, no balcão da farmácia ou no restaurante, diante de um infeliz cardápio em QR Code.

Quando pudermos falar sobre maturidade, fragilidade e passagem do tempo de um jeito natural, sem tabus, o mundo vai ser um lugar melhor. A comunicação tem um poder gigante na mudança de um paradigma, incluindo quem cria memes e faz gestão de redes sociais para uma marca ou cliente. Quem somos nós para dizer que alguém é “velho demais” para isso ou aquilo? Talvez eu seja insider do assunto, mas Charles, aos 73, está em seu apogeu. O presidente americano, Joe Biden, tem 79. A atriz Fernanda Montenegro, 92. Ambos seguem em campo, cruzando e cabeceando. Idosos não são iguais. Existem velhices e velhices. Só a cultura de envelhecimento vai nos salvar.

Update | 19h28 | Viralizou hoje um vídeo de Charles se irritando com uma caneta, que teria vazado enquanto ele assinava um documento. Teve matéria no UOL e tudo.