Estudo Gerontologia Social desde 2018. Se você me perguntar por que raios fui estudar o envelhecimento do ponto de vista social – ou seja, tudo o que não é “médico” – eu não sei explicar. Acho que minha principal motivação foi acompanhar de perto o processo de aposentadoria dos meus pais e o quanto ambos, com suas particularidades, estavam em desarmonia com tudo o que eu achava que sabia sobre ter “60+”.
Lá fui eu fazer um curso de extensão na PUC-SP, por interesse pessoal, e cá estou, junto com muitos colegas, trazendo discussões sobre longevidade para um dos públicos que mais podem fazer a diferença: os profissionais de comunicação e marketing. Aprendi algumas coisas essenciais no curso. A velhice não é um vagão no trem vida. Não é uma evolução apenas da sequência infância-adolescência-vida adulta.
Quando se fala em “60+”, imagina-se uma enormidade de velhices, que não cabem todas na mesma caixa – nem de pensamento, nem de estilo nem de consumo. A velhice ficou complexa. Para nós, no Brasil, o assunto é recente. Meus pais, com 70 anos hoje, nem achavam que estariam vivos nessa idade (meus avós morreram com 55 e 64 anos, quando eu era criança). É interessante observar minha mãe, meio surpresa com a própria idade, sem sabe o que fazer com tanta saúde, tanta maturidade, tanta potência criativa (e alguma dor no ombro direito, às vezes).
Não existe “estar pronto para a velhice”
Tenho visto em redes sociais lives, talks e conversas sobre “estar pronto para envelhecer”. Em Geronto Social – me corrijam, colegas, se eu estiver imprecisa – a gente aprende que envelhece o ser que está vivo. Tem um jeito de não envelhecer: morrer jovem. Enquanto escrevo esse texto, envelheço.
Me incomoda o termo “estar pronto para”, porque não se trata de um evento com dia, mês e hora marcados, como uma viagem ou um exame. O tempo já está correndo. Sempre esteve. Ninguém dorme com 59 e, no dia seguinte, acorda IDOSO, com 60. O que se tem é a possibilidade de construir, agora, um caminho para o que se chama de uma boa velhice.
Se você começar a se preocupar com a sua velhice hoje, cuidando do que você come, do que você pensa, da qualidade dos seus afetos e do seu espírito (sim, uma vida espiritual significativa faz o jogo virar), os anos vindouros têm mais chances de ser generosos. Seremos exatemente as mesmas pessoas, só que mais velhas.
Precisamos de narrativas do longeviver
Medos nascem do que a gente não conhece. Sem termos contato com uma determinada realidade, a gente fantasia sobre ela. Só estamos nesse ponto de preconceito contra a idade (etarismo, ageísmo ou idadismo) porque não estamos acostumados a ouvir narrativas de longeviver. Existe uma invisibilidade, reforçada pela mídia e pelas marcas, do sujeito que envelhece.
As histórias que escutamos se dividem em a) o velho acamado, doente e frágil ou b) o velho-jovem, forte, ativo e que “não aparenta a idade”. O velho que venceu o tempo e que é motivo de admiração, sempre exaltado pela imprensa, principalmente. Quem nunca viu uma matéria do tipo “a vovó do crossfit”, “a musa fitness de 68 anos”, “o maratonista de 80 anos”. Se estamos acostumados apenas com esses dois modelos, o velho-doente ou velho-jovem, reproduzidos pela mídia, em que lugar você quer estar? Óbvio que não na primeira categoria.
Ao se deparar apenas com esses dois retratos, extremos, que excluem uma parcela gigantesca de indivívios, um idoso xis não se sente representado. Ou, pior, se compara ao que está vendo e, em ambos os casos, se sente desencaixado enquanto ser social. Se não sou acamado nem atleta (o nome técnico é superidoso), quem sou eu?
Um dia você vai cair. E tudo bem
Como jornalista que estuda Gerontologia Social, vou dividir algo que aprendi em aula: um dia você vai cair. Um dia você vai esquecer uma senha. Um dia você vai precisar de ajuda para algo que hoje faz sozinho. Quanto antes você puder lidar com isso, melhor. Não será uma derrota ou algo que você pudesse ter evitado. Em vez de ser surpreendido e cair na tristeza, você poderá rir de si mesmo e dizer: “eita, chegou o dia! Até que demorou”.
Por que falar apenas “60+” não resolve?
Me preocupa um pouco assistir à proliferação do termo “60+” fora do ambiente do marketing. Obviamente, dividir pessoas por faixas etárias é um ponto de partida para se pensar em qualquer produto ou campanha. Dentro de uma planilha de marketing, tudo bem (ainda assim, na minha opinião, pessoal do marketing deveria consultar um especialista em longevidade para vender qualquer coisa para um “60+”).
O ponto é, fora das gôndolas, chamarmos as pessoas de “60+”. Quantas velhices existem dentro da velhice?
Entre as mil ações ligadas à criação de cultura de envelhecimento, uma forma de mudar isso seria abrir espaço para narrativas de velhices diversas. Estou falando do que é pauta na imprensa, dos modelos escolhidos nas campanhas publicitárias, do redator de social media que a mulher madura de “vovó”. Precisamos ouvir mais histórias de velhices. Velhices não idealizadas, que nem sempre seguem estereótipos positivados, que acolhem quem está em um momento parecido. É representatividade que fala, né? (Se você é idoso e atleta e está feliz verdadeiramente, tá tudo certo).
A existência de narrativas muda uma cultura. É o que tem acontecido, a duríssimas penas, com o feminismo (para não citar outros exemplos). Envelhecer não é demérito. Nem descuido. Não é feio. Não é algo para se envergonhar. Vamos normalizar o que é natural.